Em Santa Clara, Bolinhos e Bolinhós.
“Na véspera do dia de Todos os Santos, no dia 31 de Outubro, faziam-se os Bolinhos e Bolinhós, era uma maneira de algumas crianças de famílias de menos posses terem alguma coisinha diferente. As crianças que tinham uma abóbora faziam-lhe uma caveira, depois de lhe retirar o interior, e punham lá uma vela. Depois, iam pelas ruas com aquelas lanternas e cantavam às portas das pessoas. «Bolinhos e Bolinhós, para mim e para vós, para dar aos finados, que estão mortos e enterrados, à porta da Bela Cruz, para sempre amém Jesus, a senhora que está lá dentro, sentadinha num banquinho, faz favor de vir cá fora, para nos dar um tostãozinho ou um bolinho». As pessoas davam figos secos, nozes, coisas que tinham em casa. Então, os miúdos cantavam «esta casa cheira a vinho, aqui mora algum santinho». Se as pessoas não dessem nada, cantava-se «esta casa cheira a alho, aqui mora algum bandalho”
Memória Oral
A cidade corre devagarinho entre as duas margens do Mondego. Na direita, impõe-se o edificado disposto na colina. Da Baixa à Alta, é Coimbra que, no Mondego, se vê ao espelho na certeza de que a silhueta se mantém para além das mudanças. Na margem esquerda, a cidade transformou-se fruto do controlo das águas do rio tornando-se espaço para as pessoas, mais do que para o Mondego. Em redor, frutifica uma ruralidade que sempre alimentou Coimbra e o seu centro, contudo sempre foi urbano o sentir e o pulsar de Santa Clara. Elo entre o núcleo urbano e as suas franjas, lugar cativo no coração da cidade, não só pela beleza e força dos monumentos que lhe marcam o espírito, como também pela ligação à padroeira da cidade. É Santa Clara, lugar eternamente ligado à Rainha Santa e à devoção pela sua virtude e humanismo. Por Santa Clara entravam muitos dos frutos da ruralidade de Coimbra. As abóboras, produzidas sempre em cumplicidade com o milho e o feijão, tinham na cidade singular destino. No dia 31 de Outubro, iam-se cantar os Bolinhos e Bolinhós e todas as crianças que podiam transformavam a sua abóbora numa divertida, mas também assustadora lanterna. Ainda hoje, são lembrados esses momentos e, na memória, ecoa a cantoria que outrora era pedido cantado de um bolinho.
